segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cartas da Prisão (trechos)

* Era preciso um Deus que se fizesse o último dos homens; nascido num estábulo, perseguido pelos fariseus, dormindo à beira das estradas, cuspido no rosto, coroado de espinhos e pregado numa cruz. Eu jamais poderia crer num Deus que não tivesse, ele próprio, sido o mais oprimido dos homens. Nem poderia ter uma fé que não tivesse como centro a Páscoa.

* Mas, a vida é isto mesmo: uma árdua e imprevisível caminhada em direção do eterno. É lá que nos encontraremos e ficaremos juntos para sempre. Por isso só vale a pena viver na medida em que nossos gestos são gestos de amor, pois só o amor é absoluto, radical, transformante e profundamente unificante. Esse amor nos une em qualquer circunstãncia, tempo e lugar.

* A perda da liberdade não pode acarretar a perda da dignidade.

* O sofrimento é tanto menos, quanto mais somos capazes de assumi-lo, dominá-lo e transformá-lo.

* Elite e subproletariado caracterizam-se pela ociosidade e marginalidade de seus membros, violência de seus métodos de sobrevivência, esterilidade intelectual, carência de padrões, de consciência crítica e de perpectiva histórica. Na expressão de Ortega, têm vida apenas como processo biológico e não como processo biográfico. O que as diferencia é o fato de a primeira situar-se no cume da pirâmide social como detentora do poder e a segunda situar-se na base, abaixo da superfície, como a camada mais oprimida, desprovida inclusive de qualquer resquício de consciência de classe. Entre os seus membros predomina o mais exacerbado individualismo, são incapazes de se unir mesmo em função de seus interesses fundamentais e nada mais têm a perder.

* A solidão pode significar demissão enquanto a buscamos para fugir dos outros e das responsabilidades que nos aguardam. Então ela traz, ao covarde, o lúgubre consolo da opacidade de seus gestos e pensamentos. Mas, por outro lado, ela é indispensável ao homem engajado, por mais ativa e atribulada que seja a sua práxis. Ela o impede de ser tragado pelo ativismo que põe em risco o próprio êxito da luta e proporciona o recuo necessário à visão de conjunto, à crítica e autocrítica. Sem ela o entusiasmo pode conduzir ao fanatismo, o poder à prepotência, a fé ao fetichismo e ao ritualismo. Nela, ao contrário, o homem se abastece, recupera suas energias criativas, areja o espírito, avalia corretamente o real e, sobretudo, recobra o bom senso. Colocando o homem diante de si mesmo, a solidão é comom um espelho no qual ele vê tudo aquilo que em sua vida é detrito, carga supérflua, poeira acumulada - e essa limpeza purifica e renova-o.

(Frei Betto)

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