segunda-feira, 18 de maio de 2009

Mário Benedetti - Uma Homenagem Póstuma! =(

Cotidiana 1

A vida cotidiana é um instante
De outro instante que é a vida total do homem
Mas por sua vez quantos instantes não há de ter
Esse instante do instante maior

Cada folha verde se move ao sol
Como se perdurar fosse seu inefável destino
Cada pardal avança a saltos imprevistos
Como burlando-se do tempo e do espaço
Cada homem se abraça a alguma mulher
Como se assim agarrasse a eternidade
E contudo cada instante
Ou seja cada partícula de pó
É também um copioso universo

Com crepúsculos e catedrais e campos de cultivo
E multidões e cópulas e desembarques
E bêbados e mártires e colinas

E vale a pena qualquer sacrifício
Para que esse abrir e fechar de olhos
Abarque por fim o instante universo
Com um olhar que não se envergonhe
De sua reveladora
Efêmera
Insubstituível
Luz


Tática e estratégia

Minha tática é
Olhar-te
Aprender como és
Querer-te como és

Minha tática é
Falar-te
E escutar-te
Construir com palavras
Uma ponte indestrutível

Minha tática é
Ficar em tua lembrança
Não sei como nem sei
Com que pretexto
Mas ficar-me em vós

Minha tática é
Ser franco
E saber que és franca
E que não nos vendamos
Simulacros
Para que entre os dois
Com que pretexto
Por fim me necessites


Em pé

Continuo em pé
Por pulsar
Por costume
Por não abrir a janela decisiva
E olhar de uma vez a insolente
Morte
Essa mansa dona da espera

Continuo em pé
Por preguiça nas despedidas
No fechamento e demolição
Da memória

Onde cair
Morto


Currículo

A história é muito simples
Você nasce
Contempla atribulado
O vermelho azul do céu
O pássaro que emigra
O primitivo besouro
Que seu sapato esmagará
Valente

Você sofre
Reclama por comida
E por costume
Por obrigação

Você aprende
E usa o aprendido
Para tornar-se lentamente sábio
Para saber que no fim o mundo é isto
Em seu melhor momento uma nostalgia
Em seu pior momento um desamparo
E sempre e sempre
Uma confusão

Então
Você morre

domingo, 17 de maio de 2009

Leminski...

Inverno
Primavera
Poeta é
Quem se considera.

(Paulo Leminski)

Cervantes...

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender.

(Miguel de Cervantes)

Martha Medeiros...

Quem você pensa que é
Perguntou pra mim
De queixo em pé

Sou forte, fraca, generosa
Egoísta, angustiada, perigosa,
Infantil, astuta, aflita,
Serena, indecorosa,
Inconstante, persistente,
Sensata e corajosa
Como é toda mulher
Poderia ter respondido

Mas não lhe dei esta colher.

(Martha Medeiros)

Hemingway...

Os mortos não precisam levantar.
São uma parte da terra agora, e a terra nunca pode ser conquistada, sobreviverá a todos os sistemas de tirania: aqueles que nela entraram de maneira honrada - e não houve homens que entraram mais honrosamente do que os que morreram na Espanha - já alcançaram a imortalidade.

(Ernest Hemingway)

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrias irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

(Augusto dos Anjos)

Mário Quintana...

O autodidata é um ignorante por conta própria.

(Mário Quintana)

No ano que vem

No ano que vem,
Vou fazer um check-up,
Reformar os meus ternos,
Vou trocar os meus móveis,
Viajar no inverno,
Como convém.

No ano que vem,
Vou me fantasiar,
Desfilar na avenida,
Decorar samba enredo,
Vou mudar minha vida,
Como convém.

No ano que vem,
Faço vestibular,
Vou tocar clarineta,
Aprender a dançar valsa
Fox-trot ou salsa,
Como convém.

E vou me converter
No ano que vem,
Registrar a escritura,
Vou pagar a promessa
E andar mais depressa.
Como convém.

No ano que vem,
Vou tratar meus dentes,
Visitar uns parentes,
Vou limpar o porão,
Vou casar na igreja,
Como convém.

No ano que vem,
Vou soltar busca-pé,
Empinar papagaio,
Vou comer manga-espada
E sentar na calçada
Até.

No ano que vem,
Vou pagar minhas dívidas,
Apagar minhas dúvidas
E trocar o meu carro
E largar o cigarro.
Como convém.

No ano que vem,
Vou fazer um regime,
E vou mudar de time,
Viajar para a França
E estudar esperanto.
Como convém.

Vou plantar uma rosa
No ano que vem
E escrever um romance
E fazer exercício,
Desde o início,
Como convém.

E entrar para a política
E me candidatar,
No ano que vem,
Fazer revolução,
Lutar na Nicarágua,
Por que não?

E fazer uma plástica,
No ano que vem,
E ficar destemido,
Decorar um poema
E escrever pra você,
Como convém.

Se não der certo, no entanto,
Neste ano que vem,
Vou deixar de cobrança
Do que fiz ou não fiz.
Neste ano que vem,
Quero, como convém,
Ser, apenas, feliz.

(Sérgio Antunes)

Rimbaud...

O poeta se faz vidente
Através de um longo,
Imenso e refletido
Desregramento
De todos os sentidos.

(Arthur Rimbaud)

Encomenda

Desejo uma fotografia
Como esta - o senhor vê - como esta:
Em que para sempre me ria
Com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
Derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga que me empresta
Um certo ar de sabedoria...

(Cecília Meireles)

Fernando Sabino...

Deus gosta mais de uns do que de outros. Essa é que é a Justiça Divina, a verdadeira, a que ninguém entende, nem eu, nem você. A outra, a que dizem por aí, é pura publicidade.

(Fernando Sabino - A Cidade Vazia)

Luís Poeta...

Depois que tempo
Virou dinheiro
Não há mais tempo
Para brincadeira
É assim que a alegria
Do final de semana
Se transforma
No mau-humor
De segunda-feira

(Luís Poeta)

Fernando Pessoa...

Durmo. Regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o seu sou e o que fui.

(Fernando Pessoa)

Álvaro de Campos...

O dominó que vesti era errado.
Conheceram-em logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.

(Álvaro de Campos)

Guimarães Rosa...

Os outros têm uma espécie de cachorro farejador, dentro de cada um, eles mesmos não sabem. Isso feito um cachorro, que eles têm dentro deles, é uqe fareja, todo o tempo, se a gente por dentro da gente está mole, está sujo ou está ruim, ou errado... As pessoas, mesmas, não sabem. Mas, então, elas ficam assim com uma precisão de judiar com a gente...

(João Guimarães Rosa)

Drummond...

(...)
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.

(Carlos Drummond de Andrade)

Voltaire...

Crime é obedecer a ordens injustas.

(Voltaire)

Dois e Dois: Quatro

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena

Como teus olhos claros
E a tua pele, morena

Como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terros me acena

E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- Sei que dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Mesmo que o pão seja caro
E a liberdade, pequena.

(Ferreira Gullar)

Freud...

Os homens não podem continuar sendo sempre crianças; devem, por fim, enfrentar a vida hostil. A isso podemos chamar de educação para a realidade.

(Sigmund Freud)

Lao Tsé...

Trinta raios rodeiam um eixo,
Mas é onde os raios não raiam que a roda roda
Vaza-se a vasa e se faz o vaso,
Mas é o vazio que perfaz a vasilha
Casam-se as paredes e encaixam portas,
Mas é onde não há nada que se está em casa
Falam-se palavras e se apalavram falas,
Mas é no silêncio que mora a linguagem.
O ser faz a utilidade,
Mas é o nada que perfaz o sentido.

(Lao Tsé Tung)

sábado, 2 de maio de 2009

Não Deixe o Amor Passar

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d´água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.

Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.

(Carlos Drummond de Andrade)

A Morte Absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

(Manuel Bandeira)

Nasci Antes do Tempo

Tudo que criei e defendi
Nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma
Por quê?

Quando menina,
Ouvia dizer sem entender
Quando coisa boa ou ruim
Acontecia a alguém:
Fulano nasceu antes do tempo,
Guardei.

Tudo que criei, imaginei, defendi
Nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia
A moda de consolo:
Nasci antes do tempo.

Alguém me retrucou.
Você nasceria sempre
Antes do seu tempo.
Não entendi e disse Amém.

(Cora Coralina)

Da Felicidade

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

(Mário Quintana)

Inefável

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outras mais serenas madrugadas!

Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
Na minha alma volteando arrebatadas

(Cruz e Souza)

Subversiva

A poesia
Quando chega
Não respeita nada.

Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos

Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha

Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.

E promete incendiar o país.

(Ferreira Gullar)

Poesias de Grandes Poetas

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela,
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

(Alberto Caieiro)